segunda-feira, 12 de outubro de 2009

HONRA A RIBEIRO SANTOS


Nesta segunda feira 12 de Outubro faz 37 anos que o estudante de Direito José António Ribeiro Santos, militante da FEML (Organização do MRPP para a Juventude Estudantil), tombou assassinado pelas balas da PIDE num anfiteatro de Económicas (actual ISEG).


Porque Ribeiro Santos constituiu e constitui um exemplo para quantos o conheceram e tiveram o privilégio de com ele privar e porque hoje alguns querem fazer esquecer esse exemplo mas também porque a ele devo o impulso decisivo para passar a militar activamente na Organização do MRPP, esta é uma data que deve ser sempre recordada.

“(...) pelas cinco da tarde, num anfiteatro do então denominado Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais (hoje, ISEG), um esbirro da PIDE de nome António Joaquim Gomes da Rocha assassinou a tiro o jovem estudante de Direito, José António Ribeiro Santos.

Esse crime cobarde cujo autor ficou sempre impune, mesmo após o 25 de Abril de 1974 (!) representou um dos últimos estertores do regime fascista que, não obstante todo o seu arsenal repressivo, não mais recuperou do profundo abalo que então viria a sofrer.

Na verdade, no próprio dia do assassinato (uma 5ª feira), no dia seguinte e sobretudo no dia do funeral (Sábado), em que a PIDE e a polícia de choque, à força de bastonada, arrancaram a urna dos braços dos camaradas, colegas e amigos de Ribeiro Santos para tentar levá-la à surrelfa para o cemitério da Ajuda, toda a cidade de Lisboa foi sacudida por contínuas manifestações de revolta contra aquele crime hediondo.

Recordo-me, como se fosse hoje, de que logo a seguir ao almoço daquele Sábado apanhei a carreira de autocarros nr. 27, que fazia então o percurso entre o Apeadeiro do Areeiro e o Cemitério da Ajuda, passando precisamente pelo Largo de Santos, onde Ribeiro Santos morava com os pais e de onde estava previsto que partiria o funeral. O autocarro, que começou a sua viagem praticamente vazio, foi-se enchendo sucessivamente ao longo da mesma. Enchendo de homens e de mulheres, de jovens, de adultos e de idosos que, trocando apenas olhares cúmplices entre si, se faziam reciprocamente sentir que todos “sabiam ao que iam”.

Apesar de todas as ameaças feitas desde a antevéspera pelo Governo e de todo o aparato repressivo e policial então colocado por toda a cidade, mas muito em particular no Largo de Santos e no Cemitério da Ajuda, dezenas e dezenas de milhares de cidadãos anónimos acorreram ao apelo da luta pela Liberdade e pela Democracia, enfrentaram durante horas e horas a fio, corajosa e decididamente, as sucessivas cargas da polícia de choque, os tiros, os ataques com cães, e tornaram assim clara a sua firme disposição de acabar com um regime de ditadura e tirania que ao invés do que precisamente alguns oportunistas e derrotistas sempre pregavam não era invencível e que tinha afinal os dias contados.

Ribeiro Santos foi assassinado pela PIDE dentro de uma Universidade, precisamente porque foi dos primeiros estudantes a lançar-se contra os dois assassinos que, de arma pronta a disparar, haviam sido trazidos pela Direcção do Instituto e por membros da própria Associação de Estudantes de “Económicas” (!?), para o interior de uma reunião estudantil (um meeting contra a repressão), sob o pretexto de virem identificar um bufo que pouco tempo antes havia sido detectado e manietado pelos mesmos estudantes.

Ribeiro Santos, que tombou varado pelas balas a escassos metros do local onde eu próprio me encontrava, era então um estudante do 4º ano de Direito, dirigente da respectiva Associação de Estudantes e militante da organização do MRPP para a juventude estudantil. Tendo tido o privilégio de o conhecer e de com ele privar, posso dizer que ele esteve sempre na primeira linha de combate em todas as lutas pela Liberdade e pela Democracia, contra a repressão e contra a guerra colonial. Por isso mesmo aliás já fora objecto de diversos processos e da aplicação de sanções disciplinares aplicadas pelo decrépito Conselho Escolar da nossa Faculdade (dirigida então pelo famigerado Professor Soares Martinez). Sempre simpático e afável no trato, pessoa culta e inteligente, permanentemente disponível para ajudar os mais novos e mais inexperientes, Ribeiro Santos era simultaneamente de uma firmeza inquebrantável na defesa dos princípios.

Quando a luta aquecia, quando o combate se tornava mais duro – em 1972, a Faculdade de Direito estava enão permanentemente cercada pela polícia de choque, ocupada pelos tristemente célebres “gorilas” e transformada num verdadeiro campo de concentração, e todo o País era varrido por uma onda crescente de revolta contra a guerra colonial – Ribeiro Santos dava sempre o primero passo em frente.

Fê-lo, uma vez mais, naquela tarde de 12 de Outubro de 1972 e pagou-o com a sua própria vida. Mas não foi em vão que o seu sangue correu! O regime que o assassinou caiu ano e meio depois. E a memória de Ribeiro Santos e do seu exemplo heróico continua de pedra e cal nos nossos corações.

Hoje em dia, em que se procura a todo o custo fazer apagar a nossa História recente e liquidar a nossa memória colectiva, grande parte dos nossos jovens desconhecerão ainda quem foi José António Ribeiro Santos, estudante universitário e militante marxista-leninista assassinado pela PIDE em 12 de Outubro de 1972.

Mas essa é também e precisamente uma grande, uma enorme responsabilidade nossa: a de não deixarmos que o pó do esquecimento se abata sobre o que de mais importante existe nesse magnífico património que são a nossa História e a nossa experiência, e de o transmitirmos às gerações mais novas.

Um Povo sem memória e sem causas será sempre um Povo castrado, derrotado, tiranizado. E não há Poder algum, por mais despótico que se apresente, que seja invencível.

É, pois, procurando dar também o meu contributo para a preservação dessa mesma memória colectiva que aqui ergo a minha voz, arrancando ainda e uma vez mais do fundo da minha alma o grito de “Honra a Ribeiro Santos!”.”